Epidemia de fome no Iêmen, Nigéria, Somália e Sudão do Sul: A guerra e um dos seus principais produt
- Hélio Carlos Moreira do Vale Filho
- 29 de mai. de 2017
- 5 min de leitura

A Segunda Guerra Mundial que terminou em 1945 foi considerada a maior crise humanitária da história da humanidade, desde então o mundo enfrentou várias outras crises do gênero, porém nenhuma delas foi tão grande como a que está ocorrendo agora, tal como disse o chefe do escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), Stephen O’Brien, durante uma reunião do Conselho de Segurança no dia 03 de março: “O mundo se encontra em frente à maior crise humanitária desde 1945”. Essa catastrófica crise trata-se de mais de 20 milhões de seres humanos que estão sofrendo com um alto nível de insegurança alimentar no Iêmen, Nigéria, Somália e Sudão do Sul.
Dessas mais de 20 milhões de pessoas acha-se o grupo das que estão se alimentando muito mal e correm grande risco de entrar na fome e o grupo das que já estão na subnutrição crônica e correm o risco de morrer devido a desnutrição e doenças consequentes, além disso há os milhares que infelizmente já morreram sendo grande parte delas crianças. Esta epidemia de fome tem um enorme potencial de alastramento e muitas outras pessoas nessas regiões podem ser atingidas por ela, dado que a causa principal dessa crise humanitária está na extrema instabilidade política e nas guerras que continuamente destroem a capacidade econômica dessas regiões. Sendo assim a proposta de O’Brien de injeção de 4,4 bilhões de dólares até julho para evitar um desastre é uma proposta válida, já que aliviará a situação das pessoas, porém é um plano claramente insuficiente.
O Iêmen, país árabe situado na extremidade sudoeste da península arábica, foi criado em 1990 como sendo a República do Iêmen, considerado o país mais pobre do oriente médio, porém nunca enfrentou uma epidemia de fome. Nos primeiros meses de 2015 iniciou-se uma guerra interna entre duas entidades que passaram a disputar o poder, sendo uma dessas entidades o governo que é sunita e a outra os insurgentes xiitas houthis. Essa guerra aparentemente doméstica do Iêmen, na verdade é uma guerra por procuração entre o Irã (potência Xiita) e a Arábia Saudita (potência sunita). O embargo naval imposto pela Arábia Saudita e os bombardeamentos dos portos iemenitas que diminuem grandemente as importações, impedindo a chegada e a produção de alimentos, são apenas uma das peripécias desta guerra que desencadearam a crise humanitária na região, sendo que dois terços da sua população necessitam de urgente assistência e mais de 7 milhões não sabem como irão comer na refeição seguinte.
A Nigéria, país situado na África Ocidental é considerado um “gigante da África”, por ser um país emergente apontado como tendo um futuro promissor, entretanto a partir de 2009 a Nigéria começou a sofrer com as investidas do grupo extremista Boko Haram que inclusive jurou fidelidade ao Daesh em 2015. O foco de concentração desses terroristas tem sido o nordeste nigeriano, onde o governo tem empreendido campanhas militares contra eles, assim sendo, este conflito tem gerado muitas mortes de pessoas inocentes e provocado o deslocamento de mais de 2 milhões de nigerianos, ademais são aproximadamente 75 mil crianças que corriam o risco de morrer de fome em estimativas de dezembro de 2016 e neste início de 2017 a insegurança alimentar na região é extrema. Essa situação da Nigéria atinge também países vizinhos como o Chade e a relatos de pessoas morrendo de fome no Sahel ao fugirem do Boko Haram.
A Somália, país situado no nordeste africano e no Chifre da África é na verdade um país que não possui um verdadeiro Estado e que então vive um real tipo de anarquia devido à falta de definição de um governo central soberano e as contínuas disputas pelo poder entre vários grupos e clãs que ocorre desde sua independência em 1960. Além disso tem-se a insurgência do grupo radical islâmico Al-Shabaab filiado à rede terrorista Al-Qaeda. Sendo assim toda essa situação de instabilidade política e guerra faz com que o país não tenha condições políticas e econômicas para enfrentar a pior seca da última geração que ocorre devido à um enorme aumento das temperaturas. O presidente Mohamed Abdullahi Mohamed declarou estado de “desastre nacional”, uma vez que mais da metade da população somali necessitam de proteção e assistência, cerca de 2,9 milhões estão ameaçados pela fome e um milhão de crianças com menos de cinco anos sofrerão desnutrição grave.
O Sudão do Sul, país situado no nordeste da África é o mais novo país do mundo que conquistou sua independência em 9 de julho de 2011 depois de vários períodos de guerra com a parte norte do Sudão. Em dezembro de 2013 o Sudão do Sul começou a ser afligido por uma guerra civil devido a disputas pelo poder entre o presidente Salva Kiir e o antigo vice Riek Machar, este cenário incapacita grandemente o Estado de resolver os conflitos étnicos que agravam ainda mais a situação e tudo isso resulta atualmente em 4,9 milhões de pessoas imersas na insegurança alimentar. Tem-se também duas regiões do país que possuem juntas 100 mil habitantes, onde a situação é ainda mais grave, uma vez que 20 pessoas morrem por dia devido a fome.
É importante notar alguns elementos nessa conjuntura fazendo-se uma breve síntese. Começando pela situação do Iêmen, onde duas potências regionais, a Arábia Saudita e o Irã, guerreiam e fomentam a guerra indiretamente, ou seja, dois países em melhores condições provocando um desastre em um país mais pobre. A Nigéria, apesar do seu enorme índice de desigualdade social e tensões étnicas estava a caminho da resolução destes problemas, pertinente ao enorme crescimento econômico, porém a guerra contra o Boko Haram se tornou o novo problema que como já explanado tem provocado alto índice de insegurança alimentar. Na Somália, a seca tem sido terrível, entretanto deve ser percebido que a instabilidade política, a anarquia e a corrupção são a principal causadora do caos, visto que o país não possui uma organização político-econômica necessária para uma superação do problema. A disputa pelo poder no Sudão do Sul entre dois líderes que antes trabalhavam juntos, provoca além dos conflitos armados o agravamento nos estranhamentos étnicos que por sua vez produz mais conflitos armados.
António Guterres, atual secretário-geral das Nações Unidas disse que “as coisas realmente estão ficando fora de controle, simplesmente porque este mundo parece ser um mundo em guerra”. Perceba que o foco das análises aqui foram apenas a questão do Iêmen, Nigéria, Somália e Sudão do Sul, porém o mundo atual vive outras terríveis guerras que provocam a insegurança alimentar e a subnutrição crônica, um exemplo disso é a catastrófica guerra da Síria que além de provocar a fome no seu território, ainda faz uma enorme quantidade de refugiados. Parece “clichê” dizer que a guerra produz a fome, no entanto essa afirmativa é bem mais complexa e precisa ser levada mais a sério. A comunidade internacional liderada pela ONU se preocupa muito em arrecadação de dinheiro para ajuda humanitária quando a situação já chegou em um estágio crítico, entretanto, tanto a ONU como toda a comunidade internacional devem se empenhar mais em buscar a solução para os conflitos e também estratégias inteligentes de prevenção destes.
Imagem: Africa (Adobe Stock)
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