APMBC: Uma Pioneira Perante o Desarmamento Mundial?
- Gabriela Bolelli Leme
- 29 de mai. de 2017
- 4 min de leitura

A chamada Anti-Personnel Mine Ban Convention (APMBC), em português Convenção para o Banimento de Minas Antipessoais, convocada no ano de 1996 pelo governo do Canadá foi um evento considerado por Kofi Annan, ex-secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), um passo marcante na história do desarmamento mundial. Contando com a presença de 74 países, a Cruz Vermelha e a ICBL (International Campain to Ban Landmines, em português Campanha Internacional pelo Banimento de Minas), o clima da reunião foi levemente tenso em virtude da presença das ONG’s e civis, num lugar onde todos os participantes tinham espaço igual na mesa. Deu-se início, então, ao chamado Processo de Ottawa, que constitui-se em uma série de reuniões entre 1996 e 1997, no qual os dias dos eventos eram marcados por um forte trabalho das organizações para influenciar os delegados através de diversos eventos nas ruas, conferências à imprensa, emissão de comunicados e alertas e exposições dentro do salão de conferência, além de uma pressão civil organizada e direcionada em prol da causa em questão.
Dessa forma, em dezembro de 1997 foi assinado o Tratado de Ottawa que firmava um compromisso com a não fabricação, uso, mantimento, exportação e importação de minas-antipessoais, nem o encorajamento de que outros países o façam, além da destruição de todo o seu arsenal. Ademais, os países signatários tornam-se responsáveis pela desminagem do seu território nacional e são encorajados a realizar doações para a desminagem e assistência às vítimas de outros signatários.
Entretanto, como o banimento de minas-antipessoais representa esse pioneirismo no desarmamento mundial? Logo, é preciso entender o que atende a sua definição e os seus impactos. Diante disso, corresponde a uma mina antipessoal aquela concebida para explodir em consequência da presença, proximidade ou contato com uma ou mais pessoas e que a/as incapacite, fira ou mate (APMBC, 1997). Em outras palavras, essas seriam minas que não fazem qualquer distinção entre um combatente e um civil, tendo o seu efeito indiscriminado, constituindo, dessa forma, o seu uso num crime de guerra — razão pela qual a sua erradicação se faz irredutivelmente necessária. Assim, por várias vezes, os ferimentos causados pelo equipamento contaminam o corpo humano com sujeiras do solo, bactérias e fragmentos de plástico que em sua maioria levam a infecções secundárias. O resultado disso? Um alto número de civis mutilados que acarreta diversas consequências sociais e econômicas aos países vítimas dessa realidade.
Nessa perspectiva, esses impactos são: no âmbito econômico, em países em desenvolvimento, suas principais atividades são compostas de trabalhos braçais resultando no enfraquecimento da economia pela redução da mão-de-obra por mutilações; já no âmbito social, devido ao desemprego de responsáveis já incapacitados pela problemática, as famílias são levadas a redução de renda, fome e miséria. Por fim, as minas representam fantasmas psicológicos de acontecimentos anteriores num contexto pós-conflito, sustentando integralmente o terror jamais chega ao fim, tornando-se um empecilho para a reconstrução do país e estabelecendo uma barreira ao desenvolvimento dessas áreas.
Uma vez entendidas as mazelas desse panorama, é preciso ainda reconhecer os desafios enfrentados para o efetivo banimento de minas antipessoais, desafios esses que consistem principalmente no processo de desminagem e assistência às vítimas, na indústria bélica e na atuação de grupos armados não estatais. Diante disso, o processo de desminagem requer um grau bem mais avançado de tecnologia que a implantação das minas, custando aproximadamente de cem a mil dólares a remoção de cada mina, além do alto risco de acidentes nas operações de retirada (UNMAS, 2011), enquanto os custos relativos à assistência total aos mutilados englobam o fornecimento de próteses, seções de fisioterapia, e em alguns casos, pensão por invalidez, e se mostram altos demais para que os países se disponham à prestar assistência.
Da mesma forma, era de conhecimento geral que as grandes potências eram as mais fortes fabricantes e exportadoras de minas, sendo que esse consistia em um negócio significamente lucrativo no mercado militar (AXWORTHY, 2004), como por exemplo os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, China, Estados Unidos da América, França, Rússia e Reino Unido. Por último, mas não menos importante, os grupos armados não estatais, em alguns casos, não detêm de recursos financeiros páreos aos de exércitos nacionais, levando-os a optarem pelo uso de minas antipessoais como armamento em virtude do seu baixo custo de implantação e a facilidade de acesso à tecnologia para fabricá-las.
Contudo, apesar da gravidade com a qual a problemática se mostrou, ainda há quem questione o Tratado de Ottawa como uma reafirmação do poder bruto na anarquia internacional. Foi esse um dos principais empecilhos apresentados durante o Processo de Ottawa. Assim, parte dos países presentes na Convenção recusava-se a assinar o Tratado com uma justificativa de que tornariam-se vulneráveis aos que não assinassem, sustentando as teorias de Relações Internacionais realistas. Por outro lado, também foi levantada a inutilidade de um tratado assinado apenas por países de baixo poderio militar que fabricam minas em baixa escala, não significando o banimento integral de minas antipessoais.
Ainda assim, o Tratado de Ottawa e a APMCB provaram-se pioneiros no que condiz ao desarmamento mundial, sendo eles frutos da simples sensibilização da sociedade global para com o outrem independente de impactos das minas antipessoais sobre toda ela, mesmo ainda não capaz de erradicar de fato o armamento. Dessa forma, em 1997 quando 121 países assinaram o Tratado, elaborado em pouco mais de um ano como nunca acontecido antes, um número tão alto de signatários em primeira instância, exemplificaram a urgência com qual o assunto precisava ser tratado, dando espaço a futuros debates e avanços para a temática do desarmamento.
Imagem: Mayatnik
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